Certa noite, regressando para casa, o carro em que eu dirigia escapou completamente do meu controle, numa faixa reta e plana de estrada e em questão de segundos minhas reações foram para o espaço. Visualizei algo grande como uma espuma branca, ouvi gritos, um som forte, tonitruante e depois treva completa. Um rubro que logo passou a uma claridade diurna, quando senti que batia com a minha cabeça em algo, o rubro voltou e visualizei milhões de pequenas estrelas rodando, mas não senti dor.
Acordei em outro lugar com um peso enorme sobre o meu peito, mas não abri os olhos. Senti medo! Teria morrido? Gritei por minha mãe e caí novamente no escuro. Quando recobrei os sentidos, mesmo sem abrir os olhos, sentia a presença da minha mãe, que se aproximou assim que percebeu que eu acordava. Fez sinal para que eu não me movesse e a observei - a preocupação que demonstrava na expressão do rosto me fez constatar como os anos tinham passado sem que eu percebesse as mudanças na sua aparência. Sempre tivera a minha mãe como uma mulher enérgica, vibrante e cheia de energia.
Ali estava ela, parecendo mais velha e senti vontade de chorar. Engoli o choro e também a fala, quando senti que estava com muitas dores. Cruzamos o olhar e ela me disse: "Não se preocupe, você vai ficar boa". Repetiu: "Você vai ficar boa. Você é uma parcela, junto com seus irmãos, de tudo que eu tenho nesta vida; não se culpe, mas tome mais cuidado".
Foi um acidente, voltando pra casa... eu tinha pressa.
Enquanto estive ali no hospital, antes de ir para casa, pensei nas pessoas orgulhosas de portarem força de vontade para tomar decisões e a todo custo, levá-las adiante. Uma virtude, certamente! Mas até que ponto nossa vontade firme, nos faz donos de nosso próprio destino? Ou melhor, acreditar que sendo donos do destino, adquirimos ingenuamente a especialidade de enganar a nós mesmos. Ludibriamos o destino, porque para tomarmos decisões, estaremos à mercê de outras decisões. Sempre e mais e mais decisões, que nos desviam do curso que seria natural "viver". Nesta ilusão, destinamos a nos tornar manipuladores, que fazem o mundo parecer o que ele não é.
Se não olhamos para o universo ou para nós mesmos, esse movimento constante pode causar uma queda; o tédio se instalar e a sensação incomoda de que alguma coisa está fora do lugar - Nosso "eu" fugiu de nós.
Nada se torna mais insuportável que essa falsa liberdade, depois que a possuímos. Essa liberdade cobra que fiquemos amarrados em alguma outra coisa e infelizmente não podemos inventar o que vai nos prender. A vida nos dá essa prisão. Estamos presos à vida, ela nos dá e nos tira. Submissos, temos que aprender a dizer "sim" a vida e não tratá-la de forma leviana.
A vida, esse mistério vigoroso cheio de promessas, causa-nos medo se envereda por momentos que não compreendemos bem - cruciais e definitivos. Momentos que modificam a todos que estão ao seu redor e daí você descobre com dor, que em dado momento, neste labirinto, todas as portas são fechadas abruptamente.
A vida me faz vir aqui hoje - até mesmo pela promessa feita no post anterior - a dizer que ela me tirou a minha mãe, mas que me deu em troca, forças que eu não imaginava ter. Não vou mais sentir o cheiro da minha mãe, porém tenho muitas de suas histórias para contar, mesmo que sinta muita saudade do seu sorriso ao terminar de contar uma história.
C'est la vie.