Escritores invisíveis [update]
"Um autor fixa um tema. Mas esse tema, revelando, como revela, um interesse, revela sobretudo que foi só em torno dele que o artista pôde realizar-se como tal"
Depois do post anterior, quero fazer algumas considerações pessoais.
Não acredito que alguém já nasça com uma vocação. A própria vida se encarrega de nos guiar para aquilo que apreciamos e por si, desenvolvemos o dom. Temos a possibilidade de desenvolver qualquer habilidade, pois todos nascemos iguais e com as mesmas capacidades. Basta guiar nossa mente para tal e acreditar.
"A força da nossa verdade tem que ver com a verdade da nossa força"
O que forma um escritor, motivo do post anterior, certamente será o gosto pela leitura - ler muito e bons autores - ser observador, imaginativo, investigativo e saber expressar em palavras aquilo que pensa. São todos exercícios básicos e diários, até mesmo o saber 'expressar em palavras'. Mas qual o diferencial de um escritor para o outro?
"O que existe para o homem é o absoluto da sua hora e tudo o que para lá existe, existe apenas coordenado com ela, a ela subordinado"
O diferencial está na conclusão do post anterior e, aí se explica porque tantas obras literárias e artísticas que ficaram paradas no tempo, não fizeram sucesso em suas épocas e somente depois do rei morto, elas ganharam notariedade - porque o pensamento embutido era avante e sem juízo para aquele tempo e/ou sem o endosso do popularesco.
Escrever "é ter a companhia do outro de nós que escreve. Portanto não te comovas muito, mesmo que ele se queixe. Porque abaixo dessa lamentação está o vazio infinito da infinita desistência ou desinteresse onde a palavra já não chega. Quando o que escreve aí desce, a morte tem a sua possibilidade. Porque deixa de ter significação"
Faltou inspiração? Leia, observe, investigue, seja curioso, abstraía o pensamento, mas tome cuidado com a alteridade, onde o pensamento do outro parece tomar maior peso e ser levado ao patamar de 'bem comum mundial' - o que a mídia tanto faz.
"Todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora.
A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim uma é fácil e a outra é difícil.
A diferença é uma fórmula, a originalidade é uma forma ou mais do que isso um modo de se ser.
Para se ser diferente vai-se ao alfaiate ou à modista.
Para se ser original vai-se ter com Deus no momento de nos fabricar.
É fácil escrever-se sem pontuação ou com pontos e vírgulas em vez de pontos finais, ou escrever com minúsculas depois desses pontos, ou atirar com as palavras à arrebatinha e dispô-las como caírem, ou escrever ondeado em vez de a direito, ou cortar a prosa aos bocados e dispô-los em vários tamanhos, ou deixar as páginas em branco ou a preto, ou fazer qualquer sorte de piruetas como um palhaço de circo.
Agora o que é difícil é sentir de um modo novo, recriar um mundo por sobre o que já foi recriado, ver o que os cegos constitucionais não enxergam.
Pôr seja o que for de pernas para o ar não deixa de ser o mesmo por estar ao contrário. E se se usarem óculos inversores, ele volta a estar de pernas para baixo. Mas o escritor ou qualquer artista original torna visível um dos possíveis invisíveis para uma nova visibilidade. E essa nova visibilidade é que é diferente na maneira profunda de o ser. Ou então diremos de alguém que não é original mas um original. É o que dizemos habitualmente e com suavidade de um tipo apancadado. Somente se o dizes de um palhaço da arte o apancadado és tu"
O que está grifado em azul, é de autoria de Vergílio Ferreira, pensamentos de seu livro póstumo: Escrever (Edição de Helder Godinho/Bertrand Editora) - que indico a leitura.
Este escritor-pensador, antes de morrer, disse: "Vou entrar e escrever no paraíso"- mas ainda, deixou o rascunho final, do seu parecer sobre a morte e que são as palavras finais no livro citado acima:
"Uma vida longa é uma vida curta porque são restos de nós que ela vai aproveitar. Amores que se perderam, projectos que se esgotaram, mesmo alguma glória que também pôde acontecer, são no fim a degradação, o esvaimento do espírito, a abjecção da sordidez e humilhação. Morrem jovens os que os deuses amam. Deve ser verdade. Para que eles recolham a si o que é mais belo e triunfal da vida. E é só".
imagem: A Memória Inventada
Ah, sim! ...Os poetas. Estes não se comparam aos escritores, estão em outra dimensão - não são humanos, são divinos!
Depois do post anterior, quero fazer algumas considerações pessoais.
Não acredito que alguém já nasça com uma vocação. A própria vida se encarrega de nos guiar para aquilo que apreciamos e por si, desenvolvemos o dom. Temos a possibilidade de desenvolver qualquer habilidade, pois todos nascemos iguais e com as mesmas capacidades. Basta guiar nossa mente para tal e acreditar.
"A força da nossa verdade tem que ver com a verdade da nossa força"
O que forma um escritor, motivo do post anterior, certamente será o gosto pela leitura - ler muito e bons autores - ser observador, imaginativo, investigativo e saber expressar em palavras aquilo que pensa. São todos exercícios básicos e diários, até mesmo o saber 'expressar em palavras'. Mas qual o diferencial de um escritor para o outro?
"O que existe para o homem é o absoluto da sua hora e tudo o que para lá existe, existe apenas coordenado com ela, a ela subordinado"
O diferencial está na conclusão do post anterior e, aí se explica porque tantas obras literárias e artísticas que ficaram paradas no tempo, não fizeram sucesso em suas épocas e somente depois do rei morto, elas ganharam notariedade - porque o pensamento embutido era avante e sem juízo para aquele tempo e/ou sem o endosso do popularesco.
Escrever "é ter a companhia do outro de nós que escreve. Portanto não te comovas muito, mesmo que ele se queixe. Porque abaixo dessa lamentação está o vazio infinito da infinita desistência ou desinteresse onde a palavra já não chega. Quando o que escreve aí desce, a morte tem a sua possibilidade. Porque deixa de ter significação"
Faltou inspiração? Leia, observe, investigue, seja curioso, abstraía o pensamento, mas tome cuidado com a alteridade, onde o pensamento do outro parece tomar maior peso e ser levado ao patamar de 'bem comum mundial' - o que a mídia tanto faz.
"Todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora.
A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim uma é fácil e a outra é difícil.
A diferença é uma fórmula, a originalidade é uma forma ou mais do que isso um modo de se ser.
Para se ser diferente vai-se ao alfaiate ou à modista.
Para se ser original vai-se ter com Deus no momento de nos fabricar.
É fácil escrever-se sem pontuação ou com pontos e vírgulas em vez de pontos finais, ou escrever com minúsculas depois desses pontos, ou atirar com as palavras à arrebatinha e dispô-las como caírem, ou escrever ondeado em vez de a direito, ou cortar a prosa aos bocados e dispô-los em vários tamanhos, ou deixar as páginas em branco ou a preto, ou fazer qualquer sorte de piruetas como um palhaço de circo.
Agora o que é difícil é sentir de um modo novo, recriar um mundo por sobre o que já foi recriado, ver o que os cegos constitucionais não enxergam.
Pôr seja o que for de pernas para o ar não deixa de ser o mesmo por estar ao contrário. E se se usarem óculos inversores, ele volta a estar de pernas para baixo. Mas o escritor ou qualquer artista original torna visível um dos possíveis invisíveis para uma nova visibilidade. E essa nova visibilidade é que é diferente na maneira profunda de o ser. Ou então diremos de alguém que não é original mas um original. É o que dizemos habitualmente e com suavidade de um tipo apancadado. Somente se o dizes de um palhaço da arte o apancadado és tu"
O que está grifado em azul, é de autoria de Vergílio Ferreira, pensamentos de seu livro póstumo: Escrever (Edição de Helder Godinho/Bertrand Editora) - que indico a leitura.
Este escritor-pensador, antes de morrer, disse: "Vou entrar e escrever no paraíso"- mas ainda, deixou o rascunho final, do seu parecer sobre a morte e que são as palavras finais no livro citado acima:
"Uma vida longa é uma vida curta porque são restos de nós que ela vai aproveitar. Amores que se perderam, projectos que se esgotaram, mesmo alguma glória que também pôde acontecer, são no fim a degradação, o esvaimento do espírito, a abjecção da sordidez e humilhação. Morrem jovens os que os deuses amam. Deve ser verdade. Para que eles recolham a si o que é mais belo e triunfal da vida. E é só".
imagem: A Memória Inventada
Ah, sim! ...Os poetas. Estes não se comparam aos escritores, estão em outra dimensão - não são humanos, são divinos!
[update] Gostaria de esclarecer que este texto não desmerece qualquer escritor, muito pelo contrário, ele tem a intenção clara de incentivar pessoas que não se sentem capazes de seguir a profissão. Aos que entenderam erradamente, por favor, leia o texto anterior.
Sugiro a leitura do texto: Oficinas literárias: validade, fins, limites e aos interessados, que se inscrevam em alguma das oficinas espalhadas pelo país - Seleção de Oficinas de escrita criativa. Você pode ter nascido um bom 'contador de estórias' mas um escritor forma-se, por isso estude!
*Bateu saudade da Tina Oiticica - num clique lembrei da palestra de Frederico Coelho "Escrita, arquivo e afeto na obra de Hélio Oiticica" e tenho certeza que, se a Tina estivesse viva, estaria aqui, lembrando da labuta de seu pai.
Beijus,