Poema só para Jaime Ovalle
Quando hoje acordei, ainda fazia escuro
(Embora a manhã já estivesse avançada).
Chovia.
Chovia uma triste chuva de resignação
Como contraste e consolo ao calor tempestuoso da noite.
Então me levantei,
Bebi o café que eu mesmo preparei,
Depois me deitei novamente, acendi um cigarro e fiquei pensando...
- Humildemente pensando na vida e nas mulheres que amei.
(Manuel Bandeira, in: Poesia completa e prosa. Rio de janeiro. Aguiar, 1974. pág 273)
Simplicidade é virtude, quando o criativo se baseia no subconsciente. Não há necessidade da procura pela palavra certa, não há luta por uma expressão supimpa, não há necessidade consciente de produção. Tudo flui naturalmente, isto é inspiração!
Mas o poeta não se achava genial:
Criou-me, desde eu menino
Para arquiteto meu pai
Foi-se-me um dia a saúde...
Fiz-me arquiteto? Não pude!
Sou poeta menor, perdoai!
Esse pensamento equivocado, deve ter-lhe acompanhado a vida toda, pois escreveu: "Tomei consciência de que era um poeta menor; que me estaria sempre fechado o mundo das grandes abstrações generosas; que não havia em mim aquela espécie de cadinho onde, pelo calor do sentimento, as emoções morai de transmudam em emoções estéticas: o metal precioso eu teria que sacá-lo a duras penas, ou melhor, a duras esperas do pobre minério das minhas pequenas dores e ainda menores alegrias"
Uma poesia que mostra dialogo da realidade poética com o mundo real, gerando poemas aparentemente non sense e bobos?
Talvez ele fosse bobo (Quem era Jaime Ovalle?), tinha uma amigo místico que se enamorou de uma pomba, criou um macaco dentro de um apartamento em Londres, queria reescrever a Bíblia (Jurava que conversava com Deus e tomava batidas com o Anjo Gabriel) - sim, foi ao céu várias vezes, sem ter tomado nem mesmo um uisquinho.
Este é Jaime Ovalle, que abraçava postes com ternura, passava graxa de sapatos nos cabelos e marcava profundamente a criação de outros artistas. Só para citar alguns: Manuel Bandeira, Dante Milano, Mario de Andrade, Augusto Frederico Schimidt, Vinicius de Moraes, Murilo Mendes, Olegário Mariano, Otto Lara Resende, Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade e Villa-Lobos.
Virginia Peckham, romancista americana, viúva de Jaime Ovalle, assim o define; "Um sujeito estranho. Boníssimo. Muito infantil. Provavelmente santo. Mas não desta vida"
Eu estou lendo "Jaime Ovalle, o Santo Sujo" de Humberto Werneck, ed. Cosac Naify - Ele era uma pessoa que só sabia ser interessante quando refletida em outras pessoas, sozinho não sabia existir. Incapaz de criar, era espantoso como marcou a obra de vários autores. Não sabia passar para o papel toda a sua espirituosidade oral.
Dante Milano, escreveu: "Tudo o que fazia era prodigioso, mas não se dava ao trabalho de realizar. Não podia, não havia tempo. [...] Do pouco que resta de sua passagem pela Terra, há um livro em inglês ["The Foolish Bird'], ditado em transe a uma amiga e secretária, e algumas músicas fugitivas e encantadas. E basta. Nem era preciso tanto. De tal homem bastava a presença".
Muitos eram encantados por ele, era cercado de amores, prostitutas a socialites, inclusive Manuel Bandeira.
Manuel Bandeira tinha aquilo que os poetas chamam de sublime, uma relação do individual com o universal. Seu erotismo mesmo tendo uma perspectiva comum "os corpos se entendem, mas as almas não"; buscava na arte explicações insólitas para situações que mais o perturbavam.
A carta citada acima que enviou à Jaime Ovalle, foi rasgada por Virgínia Peckman - vai saber!! Parece que o amigo Ovalle em resposta à carta e preocupado por Manuel estar preparando o próprio café, questionou e o poeta, veio com essa: “Tenho fodido muito, que felicidade!”
Salve a poesia!
*A palavra em destaque no texto reescrever - Pelo atual acordo ortográfico o correto seria re-escrever, mas não o farei porque as palavras com o prefixo RE- seguido de E ainda aguardam uma definição oficial sobre sua grafia.
Beijus,