Abre aspas para Anton Tchékhov
Um transgressor das concepções literárias baseadas na tradição, um homem dramático!
“Um reloginho de parede tiquetaqueia timidamente, como que embaraçado diante do homem estranho”.
Edgar Allan Poe ao fazer uma resenha crítica dos "Contos de Hawthorne", apresentou a teoria onde defende a existência de gêneros "mais favoráveis para o exercício de talentos mais elevados” (Poe, 1974, p. 14) e de forma hierarquica, listou em primeiro lugar, a poesia rimada, em segundo lugar, o conto e em terceiro, a novela qualificada como “mera prosa”.
Quanto à isto, mesmo leigamente assinei embaixo, ao afirmar que a poesia consegue moldar consciências, perpetrar conhecimentos históricos e preceitos morais, no mais, as formas de poesia nos passam a idéia de beleza e o conto, maior veracidade desta beleza, neste as emoções e necessidades psíquicas são descritas com maior propriedade.
Novas possibilidades estéticas surgiram no cenário literário, onde os elementos retirados da realidade, são mais enfatizados, do que a própria caracterização dos personagens.
"O ar está silencioso, mas tão frio e enfarruscado que mal se podem ver até mesmo as luzes dos postes de iluminação. Debaixo dos pés a lama soluça”.
Anton Pavlovitch Tchekhov nasceu em Taganrog, uma pequena cidade às margens do Mar de Azov e foi nos últimos 24 anos de sua breve e sofrida vida, o símbolo da transição para o novo século e das grandes mudanças sociais que viria a testemunhar.
Este novo movimento dramático, justificado como necessário, por ser veículo de expressão de um mundo, em que as antigas formas de expressão já não satisfaziam. O universo nascido da Revolução Indústrial, encontrou no realismo de Ibsen sua arena de debate e no de Tchekhov sua mais consistente e poética investigação.
Uma infância pobre e uma indesejada independência aos 16 anos, quando ficou longe da família para terminar o ginásio, ensinaram o jovem a lutar pela vida, o que fez usando o seu sentido cômico para escrever contos, que começou a publicar aos 20 anos, e equilibraram as finanças da família, já que a sua produção era imensa.
Para a formação do que viria a ser seu verdadeiro caminho, nada foi tão significativo, quando escreveu para a "Revista Fragmentos", cerca de três centenas de colunas intituladas "Fragmentos da vida de Moscou", uma espécie de "A vida como a vida é", que lhe firmou definitivamente a preferência pelos deserdados e os sofredores.
Morando em Moscou, foi com surpresa que Tchekhov descobriu, indo em visita à São Petersburgo, que já era uma figura consagrada, ocasião na qual Dmitri Grigorovich aconselhou-o a não desperdiçar mais seu talento em tolices de revistas de humor, convidando-o a ser colaborador de uma séria publicação "Novos Templos". Pouco tempo depois, ele fez sua primeira e precária experiência dramática com "Platonov", logo depois, seguido de "Brincadeiras", em atos melhores e bem aceitos.
Tchekhov é um autor generoso e é quase impossível falar de toda a sua obra, do período que seguiu as idéias de Tólstoi, de sua carreira na medicina que logo se voltou para o atendimento aos pobres, ou da primeira constatação de sua implacável condenação à morte, pela tuberculose.
Tudo isto, mais a longa viagem à Sibéria para visitar colônias penais, pesa na visão do mundo que se manifesta em suas grandes obras; mas nada nele antevê tão claramente as exigências do mundo novo, quanto sua implacável retratação da inércia dos russos no final do século XIX, sua incapacidade para agir, seu eterno desperdício de tempo, esmiuçando em palavras problemas a respeito dos quais nunca faziam nada.
"Para um homem de bem, a indiferença pode ser uma religião"
Acredito que ser médico foi de grande importância, para o seu modo de encarar os fatos:
"O médico não odeia o doente, mesmo quando vê que a doença é fatal e tudo o que o paciente fez para chegar àquele estado"
A solidariedade humana permiti a Tchekhov captar e aceitar todo o encanto de seus personagens decadentes, sem deixar por um só momento de saber e de demonstrar que estão irrecuperavelmente condenados; eles estão vivendo como em outras épocas, incapazes de perceber que os tempos mudaram. A pedra de toque de tudo que seu imenso talento criou, foi a compaixão pela humanidade que erra e que sofre.
"Onde não estamos é que estamos bem. Já não estamos no passado, e então ele parece-nos belíssimo."
No início foi acusado de escrever um "teatro sem ação", com o tempo e o desaparecimento dos preconceitos da "peça bem feita", provaram que os caminhos indiretos e interiorizados de Tchekhov têm muito mais força e profundidade do que as superficialidades da intriga óbvia; verdadeiro segredo do poeta foi o da constatação, de que:
"a vida não é destruída por grandes confrontações trágicas mas pelos pequenos, porém dolorosos e desgastantes tropeços do dia a dia".
Em suas maiores obras dramáticas - sobretudo o quarteto que o consagrou: "A gaivota", "Tio Vânia", "As três irmãs" e "O Jardim das cerejeiras" - a vida real, os fatos, ficam fora de cena; no palco vemos apenas reações a eles, vemos apenas a inércia que impede as mudanças necessárias. É impressionante a consciência com que Tchekhov, em tramas e circunstâncias completamente diferentes entre si, nos apresenta sempre como condenados justamente os donos do sucesso fácil, os egoístas que se recusam a encarar a verdade para poder usufruir de previlégios de um tempo que corre vertiginosamente para o seu fim; já os fracassados, os momentaneamente derrotados, são em última análise os que contem as sementes do novo mundo, livre do auto-engano, feito de coragem e trabalho, que Tchekhov antevê quando morre.
Tchekhov é, sem dúvida, um dos poucos grandes e ninguém conseguiu atingir como ele, um realismo que não abdica do engajamento da imaginação do leitor platéia, que confia nessa imaginação para criar personagens complexas, multifacetadas, longe de um preto/branco empobrecedor; ninguém, como ele, soube criar uma forma realista que abranja toda a poesia do sofrimento humano. Nada mostra Tchekhov como o poeta de um novo mundo tanto quanto o que aconteceu com "A Gaivota", sucesso fenomenal naqueles tempos e se tornando atemporal nos dias atuais.
Eu botei reparo neste poeta! Saindo um pouco do sério - este homem além de tanto talento, não é bonito? A beleza física dele é bem atual e não sei se na época que viveu (1860/1904), as moças enxergavam isto - hum... deixa pra lá! Sobre as relações amorosas, destaco duas frases, ótimas:
"Um homem e uma mulher se casam porque não sabem o que fazer consigo mesmos."
"Aquilo que provamos quando estamos apaixonados talvez seja o nosso estado normal. O amor mostra ao homem como é que ele deveria ser sempre".
Outro reparo que se pode fazer a esse desbravador do novo século é, na verdade, o de ser um talento tão grande e tão especial que não pode ter vários seguidores: sua visão é tão pessoal, seu talento tão aguçado, que o modelo de Ibsen é que foi seguido - na quase totalidade dos casos, com total empobrecimento da forma usada pelo norueguês.
Vez por outra, ouvimos um elogio supremo, alguém dizer que esta ou aquela obra tem "toques tchecovianos", mas o universo antevisto pelo magistral Anton Pavlovitch Tchekhov, tanto em forma como em conteúdo, ainda está a vir...
“Ele não bate, não grita, tem muito mais virtudes que defeitos, mas, quando ele sai de casa, todos se sentem mais leves e saudáveis.”
Para complementação da leitura, recomendo a postagem do Milton Ribeiro.
Em tempo real: o que falam de Anton Tchékhov no twitter.
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“Um reloginho de parede tiquetaqueia timidamente, como que embaraçado diante do homem estranho”.
Edgar Allan Poe ao fazer uma resenha crítica dos "Contos de Hawthorne", apresentou a teoria onde defende a existência de gêneros "mais favoráveis para o exercício de talentos mais elevados” (Poe, 1974, p. 14) e de forma hierarquica, listou em primeiro lugar, a poesia rimada, em segundo lugar, o conto e em terceiro, a novela qualificada como “mera prosa”.
Quanto à isto, mesmo leigamente assinei embaixo, ao afirmar que a poesia consegue moldar consciências, perpetrar conhecimentos históricos e preceitos morais, no mais, as formas de poesia nos passam a idéia de beleza e o conto, maior veracidade desta beleza, neste as emoções e necessidades psíquicas são descritas com maior propriedade.
Novas possibilidades estéticas surgiram no cenário literário, onde os elementos retirados da realidade, são mais enfatizados, do que a própria caracterização dos personagens.
"O ar está silencioso, mas tão frio e enfarruscado que mal se podem ver até mesmo as luzes dos postes de iluminação. Debaixo dos pés a lama soluça”.
Anton Pavlovitch Tchekhov nasceu em Taganrog, uma pequena cidade às margens do Mar de Azov e foi nos últimos 24 anos de sua breve e sofrida vida, o símbolo da transição para o novo século e das grandes mudanças sociais que viria a testemunhar.
Este novo movimento dramático, justificado como necessário, por ser veículo de expressão de um mundo, em que as antigas formas de expressão já não satisfaziam. O universo nascido da Revolução Indústrial, encontrou no realismo de Ibsen sua arena de debate e no de Tchekhov sua mais consistente e poética investigação.
Uma infância pobre e uma indesejada independência aos 16 anos, quando ficou longe da família para terminar o ginásio, ensinaram o jovem a lutar pela vida, o que fez usando o seu sentido cômico para escrever contos, que começou a publicar aos 20 anos, e equilibraram as finanças da família, já que a sua produção era imensa.
Para a formação do que viria a ser seu verdadeiro caminho, nada foi tão significativo, quando escreveu para a "Revista Fragmentos", cerca de três centenas de colunas intituladas "Fragmentos da vida de Moscou", uma espécie de "A vida como a vida é", que lhe firmou definitivamente a preferência pelos deserdados e os sofredores.
Morando em Moscou, foi com surpresa que Tchekhov descobriu, indo em visita à São Petersburgo, que já era uma figura consagrada, ocasião na qual Dmitri Grigorovich aconselhou-o a não desperdiçar mais seu talento em tolices de revistas de humor, convidando-o a ser colaborador de uma séria publicação "Novos Templos". Pouco tempo depois, ele fez sua primeira e precária experiência dramática com "Platonov", logo depois, seguido de "Brincadeiras", em atos melhores e bem aceitos.
Tchekhov é um autor generoso e é quase impossível falar de toda a sua obra, do período que seguiu as idéias de Tólstoi, de sua carreira na medicina que logo se voltou para o atendimento aos pobres, ou da primeira constatação de sua implacável condenação à morte, pela tuberculose.
Tudo isto, mais a longa viagem à Sibéria para visitar colônias penais, pesa na visão do mundo que se manifesta em suas grandes obras; mas nada nele antevê tão claramente as exigências do mundo novo, quanto sua implacável retratação da inércia dos russos no final do século XIX, sua incapacidade para agir, seu eterno desperdício de tempo, esmiuçando em palavras problemas a respeito dos quais nunca faziam nada.
"Para um homem de bem, a indiferença pode ser uma religião"
Acredito que ser médico foi de grande importância, para o seu modo de encarar os fatos:
"O médico não odeia o doente, mesmo quando vê que a doença é fatal e tudo o que o paciente fez para chegar àquele estado"
A solidariedade humana permiti a Tchekhov captar e aceitar todo o encanto de seus personagens decadentes, sem deixar por um só momento de saber e de demonstrar que estão irrecuperavelmente condenados; eles estão vivendo como em outras épocas, incapazes de perceber que os tempos mudaram. A pedra de toque de tudo que seu imenso talento criou, foi a compaixão pela humanidade que erra e que sofre.
"Onde não estamos é que estamos bem. Já não estamos no passado, e então ele parece-nos belíssimo."
No início foi acusado de escrever um "teatro sem ação", com o tempo e o desaparecimento dos preconceitos da "peça bem feita", provaram que os caminhos indiretos e interiorizados de Tchekhov têm muito mais força e profundidade do que as superficialidades da intriga óbvia; verdadeiro segredo do poeta foi o da constatação, de que:
"a vida não é destruída por grandes confrontações trágicas mas pelos pequenos, porém dolorosos e desgastantes tropeços do dia a dia".
Em suas maiores obras dramáticas - sobretudo o quarteto que o consagrou: "A gaivota", "Tio Vânia", "As três irmãs" e "O Jardim das cerejeiras" - a vida real, os fatos, ficam fora de cena; no palco vemos apenas reações a eles, vemos apenas a inércia que impede as mudanças necessárias. É impressionante a consciência com que Tchekhov, em tramas e circunstâncias completamente diferentes entre si, nos apresenta sempre como condenados justamente os donos do sucesso fácil, os egoístas que se recusam a encarar a verdade para poder usufruir de previlégios de um tempo que corre vertiginosamente para o seu fim; já os fracassados, os momentaneamente derrotados, são em última análise os que contem as sementes do novo mundo, livre do auto-engano, feito de coragem e trabalho, que Tchekhov antevê quando morre.
Tchekhov é, sem dúvida, um dos poucos grandes e ninguém conseguiu atingir como ele, um realismo que não abdica do engajamento da imaginação do leitor platéia, que confia nessa imaginação para criar personagens complexas, multifacetadas, longe de um preto/branco empobrecedor; ninguém, como ele, soube criar uma forma realista que abranja toda a poesia do sofrimento humano. Nada mostra Tchekhov como o poeta de um novo mundo tanto quanto o que aconteceu com "A Gaivota", sucesso fenomenal naqueles tempos e se tornando atemporal nos dias atuais.
Eu botei reparo neste poeta! Saindo um pouco do sério - este homem além de tanto talento, não é bonito? A beleza física dele é bem atual e não sei se na época que viveu (1860/1904), as moças enxergavam isto - hum... deixa pra lá! Sobre as relações amorosas, destaco duas frases, ótimas:
"Um homem e uma mulher se casam porque não sabem o que fazer consigo mesmos."
"Aquilo que provamos quando estamos apaixonados talvez seja o nosso estado normal. O amor mostra ao homem como é que ele deveria ser sempre".
Outro reparo que se pode fazer a esse desbravador do novo século é, na verdade, o de ser um talento tão grande e tão especial que não pode ter vários seguidores: sua visão é tão pessoal, seu talento tão aguçado, que o modelo de Ibsen é que foi seguido - na quase totalidade dos casos, com total empobrecimento da forma usada pelo norueguês.
Vez por outra, ouvimos um elogio supremo, alguém dizer que esta ou aquela obra tem "toques tchecovianos", mas o universo antevisto pelo magistral Anton Pavlovitch Tchekhov, tanto em forma como em conteúdo, ainda está a vir...
“Ele não bate, não grita, tem muito mais virtudes que defeitos, mas, quando ele sai de casa, todos se sentem mais leves e saudáveis.”
Para complementação da leitura, recomendo a postagem do Milton Ribeiro.
Em tempo real: o que falam de Anton Tchékhov no twitter.
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