Fome e saciedade

Desejos contraditórios. Mesmo dedicado, deixa de existir se deixo de querer.

E enquanto não me for totalmente dedicado, não me é suficiente. Sem desejo não existe o verdadeiro absoluto. Passa a existir somente o verdadeiro ilimitado, aquilo que temos em nós.

Infeliz daquele a quem o desejo cega. Mais infeliz ainda, aqueles que o cansaço se acomoda, subtrai a energia bruta; a fonte do desejo.

Vejo ruas pisadas, desgastadas e que nem todos os anjos possuem asas. Têm conchas, formas de areia, cheiro de mar e caminham nas estrelas.

Por isso amanheço o dia submersa em água salgada. O mar segura-me o corpo e manda-me longe.


"Amo-te o colo pleno, onda de pluma e âmbar
Onda lenta e sozinha onde se exaure o mar
E onde é bom mergulhar até romper-me o sangue
E me afogar de amor e chorar e chorar.

Amo-te os grandes olhos sobre-humanos
Nos quais, mergulhador, sondo a escura voragem
Na ânsia de descobrir, nos mais fundos arcanos
Sob o oceano, oceanos; e além, a minha imagem.

Por isso — isso e ainda mais que a poesia não ousa
Quando depois de muito mar, de muito amor
Emergindo de ti, ah, que silêncio pousa

...Ah, que tristeza cai sobre o mergulhador!"
(Vinícius de Moraes)