Cheiro bom
Meu amigo saía do apartamento quando esbarrou numa mulher. Ele se desculpou e ia seguir em frente quando ela sorriu e comentou: "O senhor não me conhece, sou diarista do seu vizinho. Posso perguntar uma coisa? Que cheiro bom é esse?"
- É uma mistura - respondeu meu amigo.
- É francês? Já tem aqui para vender?
- Na verdade, é a mistura de um perfume que estava no fim com uma colônia para criança.
- Ah, tá explicado. É cheiro bom de homem com cheirinho de bebê.
O que é cheiro bom de homem? E não me venha com essa de cheiro natural - até conheço quem jura adorar sovaco masculino sem desodorante, mas é depois que o namorado sai do banho.
Um detalhe é cientificamente comprovado: cheiro de homem faz bem à saúde da mulher. E não me refiro a perfume industrializado. Pesquisas identificaram mais de 200 compostos químicos que podem ser encontrados no homem - na saliva, no suor, na pele, nos fluídos genitais. Essas mesmas pesquisas descobriram que as mulheres sexualmente ativas têm uma fisiologia mais equilibrada porque aspiram diversos cheiros masculinos. Ou seja, aquela história que sexo faz bem à pele não é uma lenda.
Cheiro de homem era a conversa na mesa só de mulheres, noite dessas.
- Eu costumava usar fragrância masculina, achava melhor, menos doce. Não sei se foi o meu metabolismo que mudou, mas hoje não consigo usar perfume masculino.
- Eu também. Mas é porque estou há tanto tempo sem namorar que só de sentir cheiro de homem, mesmo que seja um perfume, fico nervosa.
- Pode ser nostalgia, mas adoro a lembrança dos cheiros de infância: terra molhada, porque eu morava em fazenda, bife acebolado, porque sou gulosa, limonada suiça, não sei o motivo, e o perfume Opium, porque era a marca registrada da mamãe.
- Minha lembrança mais forte é do papai: Ele cheirava a Leite de Rosas, sabonete Phebo e charuto.
- Meu pai cheirava a Bryl Cream, que passava no cabelo. Se vejo um homem de 50 anos com a cabeleira penteada ao estilo latin lover, tipo Humphrey Bogard, volto no tempo.
- Humphrey Bogard, é? Meu pai era a cara do Gregory Peck. E tinha cheiro de bacon.- Bacon?
- Ele adorava comer ovos com bacon.
- Meu pai é anestesista. Até hoje acho que ele cheira a éter.
- E você gosta?
- Eu gosto é do meu pai.
- Gente, que papo estranho.
- Será que cheiro bom é cheiro de pai?
- Eu tô fora dessa. Meu cheiro inesquecível é o de um namorado da adolescência. Ele tinha cabelo comprido, que lavava todo dia. Ele cheirava condicionador Flex e maconha.
- E o Azzaro, lembram? Não podia sentir o cheiro que ficava louca.
- Eu não ligo para cheiro. Eu gosto é de mamilos cor-de-rosa.
- Querem mais vinho?
Vou botar a culpa no vinho. Porque, acredite, a conversa começou auspiciosa. Falávamos de um tipo que (re)floresce nos Estados Unidos, o retrossexual. É o homem que voltou às origens radicalmente: bebe até cair, anda em grupos só de homens, é conservador com as mulheres (nada de discutir a relação). Involução, reação ao domini das mulheres ou comportamenteo natural de alguns jovens saudavelmente comuns? E importa? Quero saber se eles cheiram a cerveja e sabão de coco. Cerveja e sabão de coco têm lá os seus méritos.
*Este texto é de Ana Cristina Reis, editora do Caderno Ela do Jornal O Globo. Está crônica é recente, mas se gostaram, saibam que ela tem um livro "Meu reino por um cashmere", com uma seleção das melhores crônicas assinadas por ela ao longo de sete anos como colunista do Caderno Ela. O livro é pra sentar e só levantar quando terminar de ler!
Meu pai tinha cheiro de tabaco, porque fumava muito!
Minha mãe sempre teve cheiro de quem acaba de sair do banho.
Minha infância teve cheiro de mato.
Cheiro maresia o dia todo.
Adoro o cheiro que sai das casas quando se aproxima o almoço, do café fresco e do cheiro do meu travesseiro.
Qual o cheiro da sua vida?
Estranho como sempre encontramos um pouco mais de nós, cada vez que nos falta algo, quando nos perdemos. Podem nos faltar as cores, mas não pode nos faltar tempo. Tempo, esse velho senhor que nos mantém cativos em diástole ventricular. Quanto maior é a ânsia da fuga, maior é o tamanho da sua sombra. Resta desafiá-lo “Aqui me tens. Não voltarei a ensaiar fugas.” O tempo pode ser nosso companheiro e ao invés de ficarmos imaginando fugas, que ele caminhe ao nosso lado. Entramos em acordo com o Sr. Tempo, nosso maior credor e as cores que faltavam, com certeza retornarão. Porque a nossa consciência é maior que qualquer contrariedade.
Bom fim de semana...