Portugal, nostalgia e sonhos hipotecados

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Nos primeiros minutos de 25 de Abril de 1974, a rádio Renascença de Lisboa tocou uma música até aquele momento incluída no index de canções malvistas pelo governo do primeiro-ministro Marcelo Caetano. "Grândola, Vila Morena", do folclore do Alentejo, falava de uma "terra de liberdade", onde "o povo é quem mais ordena". Sua veiculação, na voz do popular cantor José Afonso, foi a senha para que os militares marxistas do Movimento das Forças Armadas (MFA) tomassem quartéis, academias militares e pontos estratégicos do país, como aeroportos e emissoras de rádio e TV, dando início à Revolução dos Cravos. O nome veio dos cravos que os revoltosos usavam na lapela para se identificar, ideia encampada pela população - naquela primavera europeia, os portugueses festejavam o fim de quase cinco décadas de ditadura colocando as flores nos canos dos fuzis dos soldados. Os Revoltosos, liderados por um grupo de 200 capitães e majores, tinham como principal motivação a oposição à guerra nas colônias africanas, que se perpetuava há 13 anos com custos pesados para o país. A manutenção das colônias, último baluarte do império português, fazia parte do programa de Antônio de Oliveira Salazar, professor de Coimbra que instituíra nos anos 20 o regime fascista batizado de Estado Novo. Quando as colônias começaram a se insurgir, em 1961, Salazar, vendo ameaçado o seu projeto de resgate do passado glorioso, enviou tropas para a África. Marcelo Caetano, que o sucedeu em 1968, manteve-as lá, numa guerra cuja falta de perspectiva inquietava os jovens militares. A semente da revolução foi regada com as ideias do general Antônio de Spínola. No livro "Portugal e o Futuro", o general - que se tornaria o primeiro presidente pós-revolução - defendia a autonomia para as colônias. A revolução libertou presos políticos, permitiu a volta de exilados e nacionalizou bancos e empresas, provocando o êxodo de empresários para o Brasil - destino também de Marcelo Caetano - e para a África. Os setores militares conservadores ainda tentaram um malogrado golpe, liberado pelo mesmo Spínola, contrariado com a orientação comunista do movimento. Mas o poder permaneceu com os oficiais marxistas do MFA. No final, entre a esquerda radical e a direita retrógrada, os portugueses optaram pelo centro - nas primeiras eleições parlamentares, em abril de 1976, elegeram o socialista Mário Soares como primeiro-ministro e dois meses depois, o general Ramalho Eanes como presidente. Mas os objetivos da revolução tinham sido cumpridos: Portugal foi democratizado e deu-se início a um lento projeto de desenvolvimento. Hoje, 37 anos após, apenas uma data nostálgica desencantada pelos sonhos hipotecados pela atual política econômica? Milhares de portugueses se encontrarão na Avenida da Liberdade, em Lisboa, para comemorar a data, renovando seus ideais de democracia e eu com meu coração em Portugal, fico cá, relembrando com saudades contidas, o meu avô sonhador, que transbordava de orgulho ao se referir à liberdade conquistada!

30 comentários :

  1. Que belo texto, tenho uma grande admiração por Portugal e admiro mais ainda ao ouvir meus amigos portugueses falarem com tanto orgulho de sua terra!

    Grande abraço Moça!

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  2. Luma,

    Para mim, neste momento, recordo com muito carinho os símbolos de Abril: os cravos vermelhos de esperança, os chaimites nas ruas pela paz, os soldados ao lado do povo.

    A Guerra e as colónias acabaram o que coloco já em primeiro lugar por ter sido o melhor que aconteceu na data que hoje celebramos.
    O Fascismo também e abraçámos a Democracia. Hoje essa Democracia leva-nos para caminhos sem saída ou um tanto ou quanto obscuros.
    A Educação alargou-se a todas as classes sociais mas a sua qualidade deixa muito a desejar.

    Enfim... nem tudo foi tão bom como esperámos mas muito ficou por fazer.
    Por exemplo, a eliminação total de compadrio nos cargos públicos e a corrupção que, longe de se extinguir de todo, alargou ao poder autárquico de forma dramática.

    E tudo porquê? Porque o ser humano é corrupto e acha essa qualidade/defeito mais fácil e mais rentável do que ser honesto.

    Desculpe este comentário longo mas que constituiu para mim um desabafo para o outro lado do Atlântico que a este nível herdou bem os genes lusos, né amiga?

    Beijossssss

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  3. Oi Luma!

    Vou convidar o maridão á noite p/ ler seu post, vivenciou isto muito de perto, tanto em Portugal, quanto nas colônias...

    A liberdade e democracia sempre são grandes conquistas, mas sempre tem um preço alto, que fica p/ sempre na memória de quem conviveu ou lutou (mesmo com flores...)por estas conquistas.

    Uma boa semana p/ vc.

    Beijooooooooo

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  4. Parabéns pelo texto! Eu que sou casada com um português e tenho filhos nascidos naquele país, me comovi com sua sensibilidade pela conquista de uma democracia tão sofrida.
    Bjs

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  5. Como Portuguesa aplaudo seu texto. Parabéns!

    Tem razão quando diz que hoje essa data se viveu no desencanto...os problemas do país no momento são tão graves, e o futuro se vê com tanto pessimismo, que a lembrança dum Abril passado quase faz chorar...

    Beijos carinhosos

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  6. Que todas as revoluções assim sejam, de flores e sem mortos nem feridos.
    Viva a liberdade.
    Muito bom seu texto. Obrigada por divulgar o nosso dia da Liberdade :)
    Uma revolução sem terrorismo.
    Beijo bem português.
    Rute

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  7. Luma,

    Esta revolução quase me derrubou no vestibular da UNESP em 2004. Não se ensina isso nas escolas públicas, mas se cobra o conteúdo na faculdade pública. É Brasil. Não conhecia a história da revolução, mas pode-se muito bem imaginar o sentimento popular após tanto tempo de opressão, finalmente livres, e na bela companhia dos cravos na lapela.

    Belo post. Grande beijo e boa semana.

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  8. Liberdade, pois, o pa!

    bjx

    RF

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  9. Oi Luma, tudo bom?
    Como foi a Páscoa? Faz tempo que eu ñ venho aqui e vc tb ñ vai no meu blog!
    Passei aqui só para ter notícias.
    Um grande bj, Rozani

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  10. Acho que foi dos textos mais belos e simples que li sobre a nossa "conquista da liberdade".

    Não e não e se o teu avô fosse vivo dir-te-ia que não, a data jamais será nostalgica, os sonhos, os meus e de milhares podem ter sido hipotecados pela porcaria política económica, praticada até por quem lutou pela Liberdade que só querem tachos, mas jamais nos retirarão do nosso "eu", das nossas "mãos", da "nossa vontade" e um dia quando menos esperarmos Abril voltará a brilhar, não nos moldes de uma "esquerda radical ou de uma direita retrógada"...mas no centro onde está o fiel de uma balança, sempre tão díficil de ser acertado!

    Há quem lhe renda homenagens...blá, blá...e respeito porque o povo é que o elegeu...mas o país está como está e eu fiquei sem-terra, porque é simples para quem sabe um pouco da história de Portugal como tu...para mim, Portugal jamais foi Mário Soares e Angola jamais foi Eduardo dos Santos!
    Os sucessivos governos de cá têm sido o "rapó tacho gente" e marimbam-se no povo e Angola foi entregue a Eduardo dos Santos sem Mário Soares ter cumprido os acordos assinados com os três maiores partidos.

    Já não falo da maior idiotice feita igualmente pelo Mário Soares - a entrada na CEE, hoje União Europei, que diria mais da Srª. Angel Merkel. Perguntou ao povo por referendo? Não...fizeram o que entenderam e hoje com uma Fundação que não serve para nada, apenas para comer 6 milhões de euros por ano do dinheiro público! Por esta e outras é que o país está como está.

    Apesar dos pesares nestes 37 anos anos houve grandes mudanças para melhor, outras para pior...mas estou como o teu avô "transbordo de orgulho pela liberdade conquistada" pela qual lutei tanto e NÃO ABRO MÃO DOS MEUS SONHOS, hipotecaram-nos para irei resgatá-los:):):)

    Beijos e parabéns pelo post!

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  11. Ehehe um dia de sol para comemorar este grande evento. Todas as revoluções deviam ser assim, com cravos e flores, em vez de mortes e sangue.

    No entanto, é pena realmente o 25 de Abril ter culminado no ponto onde estamos hoje... A ver como isto acaba.

    beijinhos

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  12. Olá, Luma!Que belo texto sobre o Dia da Liberdade, a Revolução dos Cravos. O que espero sinceramente, é que este povo, do qual me incluo, embora tenha nascido no Brasil, consiga ter uma nova revolução e que consiga resgatar a pujança da época dos descobrimentos e da luta pela liberdade contra a ditadura, para sair do marasmo e melancolia em que actualmente se vive. Penso que conseguimos, não podemos é transformar uma crise económica, numa crise de valores...
    Viva a Liberdade, sempre!
    Beijinhos lusos!

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  13. Oi Luma querida nao estava dando conta de entrar no seu blog.
    Quanto tempo hem,depois do terremoto aqui ficou tudo muito confuso falta de tudo dai dei uma parada mais agora esta tudo bem,moro longe dos abalos,menina qto aos SUSPIROS!
    vc fez a misturinha de 2claras c/2xicaras de acucar e colocou em banho maria e deu uma amornada? depois e bater na batedeira muito bem ate fazer picos bem durinhos coloque na forma encima de papel laminado nao precisa untar forno a gaz 100graus por ate 15min ou mais e so pegar um e deixar esfriar e experimentar caso esteje molinho dentro ainda nao ta bom deixe mais se achar que esta querendo mudar de cor abaixe mais o forno o minimo possivel ok?da certo sim e vc vai ficar feliz qdo conseguir p/mim sao vitorias bjos muitas luzes a ti!!!!!!

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  14. Oportuna lembrança, Luma. Neste assunto é melhor deixar o Francisco comentar:

    Foi bonita a festa, pá
    Fiquei contente
    Ainda guardo renitente
    Um velho cravo para mim
    Já murcharam tua festa, pá
    Mas certamente
    Esqueceram uma semente
    Nalgum canto de jardim

    Sei que há léguas a nos separar
    Tanto mar, tanto mar
    Sei, também, quanto é preciso, pá
    Navegar, navegar
    Canta primavera, pá
    Cá estou carente
    Manda novamente
    Algum cheirinho de alecrim

    Beijo e boa semana pra você.

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  15. Querida Luminha!
    Que lindo e delicado post relembrando este abril tão importante na vida dos portugueses!
    Torcemos muito para que este povo tão guerreiro, supere esses momentos difíceis que estão vivendo e se inspirem neste abril de 74 para reinvidicarem seus direitos nos dias atuais.
    um grande abraço, carioca

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  16. Oi Luma,

    Lindo o texto e belíssima homenagem ao seu avô.

    Vc deixou um comentário no blog do meu irmão perguntando onde eu estava, é que não tenho viajado e meio que perdi a vontade de postar. Acho que é fase. Depois eu volto.

    Bjs

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  17. Anônimo04:06

    "Somos um povo que serra fileiras
    Parte a conquista do pão e da paz;
    Somos livrs, somos livres,
    Nao voltaremos atras"....
    Quando estava fazendo minha monografia sobre luta-antimanicomial, voltei a revoluçao de Portugal, pois la, apos a revoluçao, houve um congresso muitoimportante nesse sentido.
    Pena que a historia retroage, provavelmente para dar novos passos para frente. O mundoe sta sempre em evoluçao. Dizem... Espero. Bjos

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  18. Não conhecia essa parte da historia de Portugal, sou um pouco ignorante! Obrigada por compartilhar, pois tenho amigas queridas em Portugal e é sempre bom saber um pouco mais sobre a história de quem temos afeição!
    Um grande abraço
    Léia

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  19. A história contada por vc ficou didática e poética. Adorei!!Bjs querida, saudades de vc.

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  20. Belo capítulo da história portuguesa... e muito bem relembrado! :) Que a sua Páscoa tenha sido ótima, e a semana seja ainda melhor!

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  21. Luma!

    Quanto tempo não andava por cá... Nossa! E como tudo aqui cresceu. Muito lindo toda essa interação. Beijos pra ti, viu.

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  22. Uma data a ser lembrada e ao mesmo tempo triste, se pensar no caso do teu avô que pensava tudo rsolvido e conquistado...

    Hoje, não é bem assim,mas...

    Lindo texto, como sempre nos ofereces! beijos,tudo de bom,chica

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  23. Já lá vão 37 anos e cá a geração mais nova nem consegue perceber o seu significado. Infelizmente (este ano com o parlamento dissolvido até as comemorações tiveram menor expressão, digo eu), com a situação económica e orçamental do país, quase só resta, para muita gente, o feriado!

    Fico satisfeito por ver afinal o "Brasigal" (nação virtual constituída por um grande império de Brasil e Portugal mas não só, abrangendo toda a lusofonia e que terá alguns aderentes voluntários -futuros - de origem castelhana) a ter expressão na blogosfera eheheh.
    Parabéns pela grande adequação histórica do artigo! Uma boa semana cheia de sorrisos, flores e ...poesia.

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  24. A liberdade é sempre um véu que voa e por um tempo acaricia-nos a face.
    Face de pessoas e de povos.
    Desde sempre - com excessões que são na verdade, maldosas excessões, como temos visto no decorrer de tempo e de fatos.

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  25. Muito interessante o texto na forma como vc trata a história. Mais legal saber q vc tem a história viva na lembrança d alguém querido.
    Abraços

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  26. Oi Luma!

    Que belo relato sobre a Revolução dos Cravos, gostei muito. Espero que o espírito de luta e coragem que embalou e conduziu os revoltosos naquele abril de 74, possa retornar agora, nesse momento em que a desesperança se faz presente naquela nação querida.

    Aliás, assisti, no blog do querido Rogério Pereira (http://conversavinagrada.blogspot.com/), a um manifesto lindíssimo sobre esse assunto, fiquei bastante emocionada. Vale a pena dar uma passada lá, caso você não tenha visto.

    Um beijo

    Carla

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  27. Luma:
    Seus textos sempre dão o recado certo. A deicadeza de suas palavras desenham o restante...

    Beijos.
    Anny.

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  28. A sua conslusão sobre a revolução dos cravos foi arrebatadora. Parabéns, bj.

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  29. Oi Luma,

    Não festejo o 25 de Abril, mas respeito o facto da data fazer parte da história Portuguesa. Respeito-a porque a revolução trouxe liberdade de expressão aos Portugueses; trouxe acesso a oportunidades iguais aos meus co-cidadãos e liberdade em geral; ou seja, a democracia.

    Mas não posso, de forma alguma, esquecer a maneira como a Esquerda Portuguesa sucumbiu às pressões internacionais para dar a independência regiões autónomas Ultramarinas, abandonando as colónias nas mãos de ineptos que estragaram aqueles países e o resultado está bem à vista (tirando Cabo Verde). Se a Esquerda tivesse tido mais paciência, e sabedoria, as colónias ter-se-iam tornado independentes, sim (claro); mas primeiro teriam passado por um período de transição e adaptação (tempo esse em que as pastas teriam sido transferidas para as mãos de gente capaz de governar as "novas" nações) e, Portugal (à imagem de Inglaterra) teria mantido uma influência política positiva nessas nações "renascidas".
    A alternativa foi dar a imagem de sermos um país que deu um pontapé no fascismo, que a seguir quebrou as amarras do colonialismo (às pressas) estragando, assim, a vida a milhares de Portugueses (os tais "retornados" que vieram a desenvolver Portugal, que parecia uma barraca em 1977) que tiveram de fugir dos países (e muitos dos seus países, onde haviam nascido) com uma mão à frente e outra atrás.
    Ridículo.

    Não obstante, do 25 de Abril nasceram grandes políticos sociais-democratas como Francisco Sá Carneiro (autor de "Para uma social-democracia Portuguesa", onde ele descreve bem o momento de transição entre a revolução e o que caminhava para ser uma democracia - embora não descreva as atrocidades do Partido Comunista Português, que influenciou pela negativa os desígnios da política Portuguesa até hoje); Cavaco Silva, Pedro Santana Lopes etc.

    Tenho as minhas críticas quanto a Mario Soares, mas reconheço que ele preparou o caminho para Aníbal Cavaco Silva levantar e desenvolver este país no fim dos anos 80 e, nos anos 90. Mário Soares teve a coragem (que Sócrates não teve e não tem) de pedir aos Portugueses que "apertassem o cinto" para o bem da nação - e funcionou.

    Beijos

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  30. Quando leio algo sobre a história, sempre lembro "aqueles que não aprende com os seus erros estão eternamente fardados a repeti-los"...

    E as história serve para enxergar os nossos erros, mas de todoa a humanidade.

    Fique com Deus, menina Luma Rosa.
    Um abraço.

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