CECÍLIA MEIRELLES



Hoje eu quereria apenas abrir um álbum antigo de fotografias, onde não houvesse gente de olhos duros e mãos aduncas. Onde umas boas senhoras pousassem no papel com delicadeza, não para sobreviverem eternamente, mas para mandarem seu retrato às amigas com finas letras de "sincera afeição". Um álbum onde aparecessem uns bons velhotes que não faziam negociatas, que não sabiam multiplicar dinheiro, que usavam roupas desajeitadas, sofriam de reumatismo, liam Vírgilio e Horácio, e não tinham medo dos fantasmas do porão.

(...)

Hoje eu quereria ler uns livros que não falam de gente, mas só de bichos, de plantas, de pedras: um livro que me levasse por essas solidões da Natureza, sem vozes humanas, sem discursos, boatos, mentiras, calúnias, falsidades,
elogios, celebrações...

Hoje eu quereria apenas ver uma flor abrir-se, desmanchar-se, viver sua existência autêntica, integral, do nascimento à morte, muito breve, sem borboletas nem abelhas de permeio.
Uma existência total, no seu mistério (e antes da flor? -- não sei) (e depois da flor? -- não sei).
Esta ignorância humana. Este silêncio do universo. A sabedoria.

Hoje eu quereria estar entre as nuvens, na velocidade das nuvens, na sua fragilidade, na sua docilidade de ser e deixar ser. Livremente. Sem interesse próprio. Confiantes. À mercê da vida. Sem nenhum sonho de durarem um pouco mais, de ficarem no céu até o ano 2000, de terem emprego público, férias, abono de Natal, montepio, prêmio de loteria, discurso à beira do túmulo, nome em placa de rua, busto no jardim...

(...)

Hoje eu quereria estar no deserto amarelo, sem beduíno, camelo ou rebanho de cabras:
no puro deserto amarelo onde só reina o vento grandioso que leva tudo, que não precisa nem de água, nem de areia, nem de flor, nem de pedra, nem de gente.
O vento solitário que vai para longe de mãos vazias.
Hoje eu queria ser esse vento!

Compensação, de Cecília Meireles



Cecília Meirelles iniciou-se na literatura participando da chamada "Corrente espiritualista", sob a influência dos poetas que formariam o grupo da Revista "Festa", de inspiração neo-simbolista. Posteriormente afastou-se desses artistas, sem, contudo, perder as características intimistas e introspectivas, numa permanente viagem ao interior. Sua obra reflete uma atmosfera de sonho e fantasia, ao mesmo tempo, de solidão e padecimento.

Sempre possuiu uma forte consciência da transitoriedade das coisas; por isso mesmo, o tempo é personagem principal de sua obra: O tempo passa, é fugaz, fugidio. A vida é fugaz e a morte é uma presença no horizonte. Isso se deve talvez ao fato dela ter perdido os pais ainda pequena, com apenas três anos de idade.

Dona de uma linguagem que valoriza os símbolos e imagens em apelos sensoriais, uma das marcas de seu lirismo é a musicalidade de seus versos. Lia a realidade que a cercava com a razão, com o coração e com os sentidos.

Com 16 anos já ensinava na escola primária. Vocês podem imaginar o que é ter como professora Cecília Meirelles?

Chamem os miúdos e mostre-lhes algumas das poesias feitas especialmente para eles:
Rômulo rema - poesias para o público em geral - Leilão de jardim - O Cavalinho Branco - Colar de Carolina - O mosquito escreve - Sonhos da menina - O menino azul - A pombinha da mata.

Finda a boa ação, vai uma sugestão para quem está no Rio; visitem a Exposição Aleijadinho. Uma mostra especial da arte sacra, em meio a trechos de Cecília Meirelles escritos nas paredes. Para quem não quer olhar santos barrocos, pode olhar para as paredes à vontade!


Pra quem não sabe Cecília Meirelles morreu em 09 de Novembro de 1964 com 63 anos. Dois dias após seu aniversário. Portanto, hoje é seu aniversário!

Faça parte dessa comemoração proposta pela Cris, publicando em seu blogue algo sobre Cecília Meirelles. Participe! Veja quem já está participando: Betty, Carla, Clara, Diana, Enoisa, Fernanda, Ju e Marri, Laura, Lila, Lino, Lou Salomé, Luci, Márcia (Clarinha), Mércia, Nilza, Patrícia, Sérgio, Tertu, Tina, Valérie, Vera ...
Se o seu nome não estiver aqui, avise!

Beijus

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